Curitiba à Patagônia: a odisséia em busca de si mesmo

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De Curitiba à Patagônia com pouco dinheiro, alguns livros, barraca, uma flauta na mochila e muita determinação. Uma jornada pessoal para encontrar a si próprio, sobreviver às diferentes emoções e viver uma experiência extraordinária! Assim foi a jornada de 2 meses e 11 dias do Yuri Dittrich na Argentina! Acho essa viagem incrível e decidi compartilhar com vocês! O Yuri foi super parceiro e respondeu algumas perguntas!

Curitiba à Patagônia: a odisséia em busca de si mesmo

Curitiba à Patagônia odisseia em busca de si mesmo
Curitiba à Patagônia sozinho!

1 – De onde surgiu a ideia de viajar sozinho e do jeito que dava?

Acredito que o desejo de explorar e enfrentar o desconhecido seja inerente à espécie. Existe no Homo sapiens uma herança de desbravadores da natureza, de sobreviventes resistindo às intempéries e de perseverar frente a dificuldades. Digo isso por ser importante na resposta dessa pergunta: a ideia, muito provavelmente, já estava lá em mim, assim como está aí em você. Esse desejo foi ganhando corpo através das influências culturais e das experiências pessoais como filmes, livros, jogos, relatos… até que um dia atingiu um nível onde já não podia mais ser adiada. Me inspirei muito em figuras que escolheram a trilha asceta como Miyamoto Musashi e Sidarta Gautama.

Portanto a ideia não surgiu: ela foi de pouco em pouco ganhando forma e aumentando de intensidade. Quando vi que poucas coisas me impediam acabou sendo mais um exercício de desprendimento e de botar o pé na estrada – como diria Bilbo Baggins – do que qualquer outra coisa.Curitiba à Patagônia mapa Curitiba à Patagônia! Cidades percorridas pelo Yuri: Curitiba, Foz do Iguaçu, Puerto Iguazu, Wanda, Puerto Esperanza, El Dorado, Ruiz de Montoya, Posadas, Corrientes, La Rioja, Mendoza, San Rafael, Neuquen, San Martin de los Andes, Bariloche, El Bolson, Esquel e Trevelín (retorno pelo mesmo caminho).

2 – Funcionou mais ou menos como você imaginava?

Bem, devo antes dizer o que eu imaginava. Para mim seria uma jornada pessoal de encontro comigo mesmo, em primeira instância. Em segundo lugar uma oportunidade de estudo da humildade e por último um treinamento da mente e do corpo nas intempéries da vida fora da Disneylândia (um eufemismo para nossa vida de gado aqui na sociedade moderna). Sim, funcionou perfeitamente da forma que eu imaginava!

3 – Essa experiência mudou a sua vida? Por quê?

Certamente. Ela me permitiu a quebra do paradigma necessária para assimilar a prática com a teoria. O que eu quero dizer: muito refleti ao longo da minha vida sobre temas existenciais complexos, todavia sem tê-los vivido. A viagem por mais curta que seja foi a prova de fogo de anos de intensa reflexão e teorização. Quando voltei dessa jornada eu de fato havia mudado muito, me permitiu um amadurecimento integrado e homogêneo.

4 – O que você levava na mochila? O que era essencial?

Ao invés de copiosa e tediosamente descrever o que eu levava, vou deixar a foto que tirei em Foz do Iguaçu e falar sobre o essencial. Tudo que eu levei tinha uma utilidade, mas ao passar dos dias o essencial foi se mostrando: água, comida, saco de dormir, barraca, faca e a minha flauta.Curitiba à Patagônia o que levar na mochilaA mochila da viagem Curitiba à Patagônia.

Todas elas óbvias senão as duas últimas, explico: uma era meu ganha-pão nas cidades maiores e a outra me permitia abrir e limpar peixes, aves e mamíferos de pequeno porte. Espero que ninguém ache que eu eviscerei coelhos com uma flauta ou fiz do assalto a mão armada meu ganha-pão!!
Sim: dinheiro não era parte essencial da viagem. Eu tinha uma reserva de emergência para tranquilizar minha família, mas não a usei. Fui e voltei sem gastar sequer um peso além daquele que eu fazia durante a viagem.


5- O que você viu de mais bizarro lá?

Bizarro? Bizarro acho que nada, mas falarei sobre coisas que me encantaram de uma maneira exótica e excêntrica, e acho que essa sensação beira o bizarro.
A terceira manhã nas montanhas, quando eu fui procurar lenha e me deparei com pegadas de um felino de porte grande. Elas eram do tamanho da palma da minha mão e eu não arrisco dizer de qual espécie eram, mas foi uma sensação incrível de estar na linha que beira a natureza selvagem.

Curitiba à Patagônia barraca
Um belo dia na odisséia Curitiba à Patagônia.

A primeira vez que matei um coelho selvagem e aprendi a tirar a pele e limpá-lo, a dificuldade em tirar a vida de um mamífero e a necessidade interior de louvar e respeitar o seu sacrifício para a manutenção da minha própria vida. A necessidade do respeito e do ritual à vida.

O dia em que eu me sentia muito solitário e tocava flauta na praça de El Bolsón. Um casal de hippies que vendia pulseirinhas artesanais veio até mim e me presenteou duas pulseiras, em agradecimento às músicas que eu tinha tocado nos últimos dias. Sentaram, escutaram mais um pouco e foram embora.

A vez que eu trabalhava em um rancho e um porco de trezentos quilos havia morrido de frio no chiqueiro. Eu fui incumbido com a tarefa de tirá-lo de lá, num frio de -10c. Eu ainda estava cheio de frescuras, o cheiro do chiqueiro estava me matando e eu não conseguia tirar o porco de lá até que… eu escorreguei e caí de costas. Depois daquilo acabaram minhas frescuras e eu abracei o porco e tirei aquele desgraçado de lá.
Acho que o bizarro era mais as emoções e sensações incríveis que circulavam aqui dentro do que as coisas que porventura poderiam acontecer lá fora.

6- O que você mais gostava e odiava deste estilo de viagem?

Amava a sensação de poder, todos os dias, simplesmente escolher uma direção e ir até lá. A liberdade de poder botar o pé na estrada e não ter prazo, expectativa ou ter que voltar no domingo para ter que trabalhar segunda-feira.

Ter tudo que você precisa nas suas costas é libertador, não ter dinheiro é uma experiência incrível de todos os dias sua vida começar novamente e ter que lutar por ela. A sensação de estar com os dois pés para fora da zona de conforto é a um remédio para a cansada e domesticada alma humana.

O que eu mais odiava era a sensação de nunca conseguir entrar em uma área inexplorada: acho que nasci tarde demais para as grandes explorações oceânicas e cedo demais para a dos mundos galáxia afora, infelizmente. Mas isso passava logo, já que a cada passo que eu dava eu estava mais longe do lugar distante que já havia estado, como diria Samwise Gamgee ao sair do Condado.

7 – Era fácil conseguir um job ou carona?

Carona era relativamente fácil: no máximo duas horas. Dentro das cidades era impossível: a estratégia era sempre sair da cidade alguns quilómetros antes de começar a hacer dedo como eles chamam. O segredo é ir até uma rodoviária e pegar um ônibus metropolitano até as cercanias. O job era mais difícil, mas sempre tinha um hostel que topava trocar serviços por um abatimento na estadia. Melhores experiências de jobs foi com o Workaway, onde encontrei bons lugares para trocar minha mão-de-obra por comida e estadia. Dinheiro mesmo só conseguia tocando flauta.

8 – O que você recomenda para alguém que queira viajar assim?

Coragem, determinação e confiança. Na segunda noite eu dormia na barraca ao lado de uma gendarmaria (espécie de quartel) e sonhei. No sonho eu acordava na minha cama em casa, quentinho e pensando – “ufa, que bom que era só um sonho que eu estava no frio e na umidade”. Pro meu desespero acordei dentro da barraca.

Não é fácil fazer isso e experimentar na pele o caminho asceta. Passar fome, frio, solidão, dor, desespero e cansaço. Não é nada fácil. Mas também nos permite um crescimento e amadurecimento a velocidades impensáveis caso dentro da sociedade e do conforto.

É uma constante briga entre “caralho quero voltar pra casa” e “puta merda que experiência foda”. Converse e prepare seus familiares do seu jeito: o meu foi fazer uma apresentação de power point de uma hora, explicando as bases filosóficas e biológicas para a decisão de simplesmente abandonar o trabalho e a vida moderna por alguns meses.

Patagônia sozinho Prepare-se fisica e mentalmente, pois isso vai te ajudar lá fora. Como dizemos nas artes marciais: você só combate da forma que você treina.
Mas se tiver essas três coisas, não tem nada mais que te impeça. É questão de ter a disciplina pra botar em prática o que já tem forma aí dentro.

9 – Quais lugares você visitou e recomenda muito conhecer na Argentina?

Lugares… a gente costuma falar em lugares que estivemos né, lugares que conhecemos e que gostaríamos que outras pessoas tivessem aquela experiência.

A verdade é que o que eu tive foram experiências internas – foram emoções, aprendizados, reflexões e sensações. Sendo assim as coisas que conheci foram dor, frio, determinação, solitude, força, coragem… turistas viajam e conhecem lugares, eu fui e vivi experiências. Recomendo todas as que vivi!!

Mas posso dizer que El Bolsón é um lugar muito legal com pessoas maravilhosas. O parque de Los Alerces tem uma vista incrível no alto inverno e uma ótima área pra explorar. Mendoza tem o parque mais massa que eu já vi dentro de uma cidade. Ah e pra quem curte arqueologia, super recomendo o Parque Nacional de Talampaya!

viagem a patagonia sozinho a pé
As paisagens incríveis da Jornada Curitiba à Patagônia



Mas percebem a dificuldade que eu tenho de recomendar lugares né? Acho que existem pessoas mais aptas a fazer essas recomendações turísticas, eu só recomendo a vida e o sair da zona de conforto.

10 – Qual a melhor lembrança que você tem desta experiência?

São tantas… mas acho que a mais simbólica é o retorno, foi quando deitei na cama de casa e pude sair do estado de sobrevivência. Isso talvez soe paradoxal para o ouvido destreinado, mas veja: toda jornada deve ter um fim. Na visão do monomito heroico de Campbell, o retorno à sociedade ordinária é a efetivação do aprendizado que foi a duras custas conquistado. É o momento que o herói, munido da sabedoria trazida das batalhas com sua sombra, compartilha com a civilização o conhecimento e a experiência e descansa tendo renascido. Todo Odisseu deve chegar à sua Ítaca: é quando sua viagem de faz finda. Somente assim, quando consolidamos nossas experiências vividas, que assumimos as mudanças e vemos o que fomos e o que somos sob a luz do dia.

É vivendo a chegada e aproveitando as conquistas que nos permitimos um novo degrau, que se torna uma nova zona de conforto….somente para sairmos novamente.
A nossa jornada heroica, essa de nos tornarmos cada vez melhores do que éramos ontem, nunca termina. Tal como a Ouroboros mitológica estamos constantemente na batalha de crescer e terminar, inspirar e expirar, nascer e morrer.

Essa foi a Jornada de Curitiba à Patagônia do Yuri! Gostaram??? Comentem!

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5 COMENTÁRIOS

  1. Concordo com o que Yuri disse, que toda jornada deve ter um fim. Seja uma jornada de um dia, uma semana, um mês, ou um ano. Tanto faz que esse final seja um lugar para se chegar ou um lugar para se voltar, enquanto isso aproveitar as paisagens pelo caminho.

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